A Tensão entre o Livre Convencimento Motivado e a Súmula 7/STJ: Análise Crítica e Estratégias no Contencioso de Trânsito

⚖️ A Tensão entre o Livre Convencimento Motivado e a Súmula 7/STJ: Análise Crítica e Estratégias no Contencioso de Trânsito
Resumo
A liberdade de valoração probatória nas instâncias ordinárias (CPC, art. 371) convive em tensão com o filtro recursal do STJ (Súmula 7), que veda o mero reexame de prova no Recurso Especial. Demonstramos como a superação do óbice sumular nasce na instrução e se consolida na técnica recursal: converter controvérsias fáticas em questões de direito, por meio de vícios de fundamentação (CPC, art. 489), distribuição dinâmica do ônus (CPC, art. 373, §1º), contradição/omissão (CPC, art. 1.022) e violação a normas probatórias/administrativas do trânsito (CTB/CONTRAN/INMETRO). Entregamos roteiro de instrução, matriz de enquadramento (fato→direito) e modelos de capítulos recursais.

1) Fundamentos: persuasão racional x filtro sumular
  • Livre convencimento motivado (CPC, art. 371): o juiz aprecia todos os meios de prova e explica por que se convenceu (vinculação à motivação adequada, CPC, art. 489, §1º, IV–VI).
  • Súmula 7/STJ: o REsp não serve para refazer valoração probatória. O STJ uniformiza direito federal (CF, art. 105, III), não é “3ª instância”.
Ponto-chave: a liberdade de valorar não é arbitrariedade; é juridicamente controlada. Quando o controle falha (motivação deficiente, inversão indevida do ônus, desrespeito a regras técnicas), surge questão de direito — e a Súmula 7 não incide.

2) Onde a Súmula 7 cede: portas jurídicas legítimas
Use estas quatro portas para deslocar o debate do “reexame de prova” para “violação de lei”:
  1. Vício de fundamentação (CPC, art. 489, §1º, IV–VI): decisão que ignora prova relevante, não enfrenta tese capaz de infirmar a conclusão, ou usa fórmulas genéricas (“não me convenço”).
  2. Ônus/prova dinâmica (CPC, art. 373, §1º): quando o acórdão impõe ao autor probatio diabolica apesar de a Administração deter a prova (ex.: laudo de verificação INMETRO do radar, comprovação de expedição da notificação; relatório de etilômetro com requisitos da Res. CONTRAN 432/2013).
  3. Valoração jurídica de fato incontroverso: os fatos não são rediscutidos; discute-se a norma que os qualifica (ex.: “houve postagem em 45 dias” → decadência do art. 282, §§6º–7º do CTB é questão de direito).
  4. Erro de direito em prova técnica/normativa: desrespeito a padrões legais/regulatórios (CTB, Res. CONTRAN 918/2022 e 432/2013; regulamentos do INMETRO) é violação direta de lei/regra técnica — não reexame.
Regra de ouro para o REsp: aponte dispositivo federal violado e conecte o vício decisório a ele. Fale menos da fotografia/medição, mais do dever jurídico descumprido.

3) Dinâmica probatória típica do trânsito (onde vencer o caso)
Presunção administrativa é relativa (juris tantum). Exemplos frequentes:
  • Dupla notificação (CTB, arts. 281–282; Res. 918/2022): exigir prova de expedição tempestiva (30 dias para autuação; 180/360 para penalidade). Fardo do órgão exibir AR, espelho SCL, logs.
  • Radar/medidor: comprovação de verificação metrológica vigente (INMETRO) + relatório técnico do ponto. Sem isso, ônus de quem detém (Administração).
  • Etilômetro (Res. 432/2013): ausência de descrição dos sinais ou relatório de verificação do aparelho → vício normativo.
  • Autor/condutor (CTB, art. 257, §§7º e 8º; art. 134): presunções relativas; em juízo, valem provas robustas (declaração com firma, CFTV, GPS, ponto eletrônico, tickets).
  • PSDD/cassação por pontos alheios: exigir cadeia de provas de cada AIT + correta vinculação no RENACH; sem integração probatória, ônus invertido.
Fecho tático: prepare a prova pensando já no REsp — cada peça deve ter âncora legal para conversão futura em questão de direito.

4) Matriz de “transmutação” (do fato à questão de direito)
Situação-prova (fato) Enquadramento jurídico (direito) Dispositivo violado para REsp
Juiz ignora laudo/AR/espelho de sistema Omissão/insuficiência de motivação CPC, art. 489, §1º, IV–VI; art. 11; art. 93, IX, CF
Exige do autor prova exclusiva da Administração (calibração, logs, AR) Distribuição dinâmica negada CPC, art. 373, §1º
Fato incontroverso (data de expedição > prazo legal) Erro de subsunção (decadência) CTB, art. 281 e 282, §§6º–7º
Rejeição genérica de prova pericial/particular Negativa de prestação / motivação aparente CPC, arts. 489 e 1.022; CF, art. 93, IX
Aceitação de AIT sem requisitos da Res. CONTRAN Violação de norma técnica federal Res. 918/2022; Res. 432/2013; CTB correlato
Presunção de autoria como absoluta Ofensa à natureza relativa da presunção CTB, art. 257, §7º; art. 134; CPC, art. 373

5) Roteiro operacional (do 1º grau ao STJ)
5.1. Instrução vencedora (onde o REsp começa)
  • Mapeie pontos controvertidos e atribua ônus desde a inicial (CPC, art. 373, §1º).
  • Requeira prova documental do órgão: INMETRO, manuais/planilhas do radar, espelhos de notificação, logs.
  • Provas robustas do autor: CFTV/GPS/ponto eletrônico/declarações autenticadas.
  • Reforce a legalidade: cite o exato dispositivo (CTB/CONTRAN) que o ato administrativo deve cumprir.
5.2. Prequestionamento (ponte para o REsp)
  • Embargos de declaração (CPC, art. 1.022) por omissão/contradição em: (i) ônus da prova; (ii) decadência; (iii) cumprimento de Resoluções; (iv) motivação adequada.
  • Art. 1.025, CPC: mesmo rejeitados, considera-se prequestionado.
  • Negativa de prestação jurisdicional: tese autônoma no REsp.
5.3. REsp com tese “jurídica”
  • Alínea “a” (violação de lei federal): 371, 373 §1º, 489 §1º, 1.022 CPC + dispositivos do CTB/CONTRAN aplicáveis.
  • Alínea “c” (dissídio): quadro analítico de similitude fática + divergência jurídica.
  • Evite recontar fatos. Mostre: (i) qual norma foi violada; (ii) como o acórdão a contrariou; (iii) por que isso dispensa reexame.

6) Modelos rápidos (parágrafos prontos)
(i) Vício de fundamentação – art. 489, §1º, CPC
A decisão recorrida não enfrentou os argumentos nucleares capazes de infirmar a conclusão (CPC, art. 489, §1º, IV), notadamente (a) a inobservância do art. 282, §§6º–7º do CTB (decadência) e (b) a ausência de comprovação da verificação metrológica do equipamento (Res. 918/2022/INMETRO). Configura-se motivação aparente, o que viola lei federal e afasta a incidência da Súmula 7/STJ.
(ii) Distribuição dinâmica do ônus – art. 373, §1º, CPC
O acórdão impôs ao Autor a prova de documentos sob exclusiva posse da Administração (logs de expedição/AR; certificados INMETRO), contrariando o CPC, art. 373, §1º. Há violação direta a norma federal: não se trata de revalorar prova, mas de corrigir erro de direito na atribuição do ônus probatório.
(iii) Fato incontroverso, erro de subsunção
Encontra-se incontroverso que a notificação foi expedida após o prazo legal. A questão é jurídica: a consequência prevista no CTB, art. 281/282 (decadência) foi negada. A Súmula 7 não incide porque não se reexamina prova, mas a aplicação da norma a fato incontroverso.
(iv) Negativa de prestação jurisdicional – art. 1.022, CPC
O acórdão deixou de se manifestar sobre (i) a omissão de laudo de verificação INMETRO; (ii) a ausência de requisitos da Res. 432/2013; (iii) o prazo decadencial do art. 282. Violação ao CPC, art. 1.022, com reflexo no art. 489. Nulidade.

7) Tabela prática — Trânsito: prova crítica e âncoras legais
Tema Prova essencial Âncora legal
Dupla notificação AR/espelho de expedição + logs CTB 281–282; Res. 918/2022
Radar/velocidade Certificado INMETRO vigente + estudo de local CTB 280; normas INMETRO
Etilômetro Relatório de verificação + descrição de sinais Res. 432/2013 (técnica)
Autor/condutor Declaração autêntica + CFTV/GPS CTB 257 §§7º–8º; 134
PSDD/cassação Cadeia de AITs + vinculação RENACH CTB 256–263; Res. 918/2022

8) Erros que provocam Súmula 7 (e como evitar)
  1. Recurso “apelativo” no STJ: pedir que o STJ “reavalie a prova”. → Corrija: restrinja à violação de lei (371/373/489/1.022 CPC; CTB/CONTRAN).
  2. Não prequestionar: pular os embargos. → Corrija: EDcl apontando omissão específica; invoque art. 1.025.
  3. Prova frágil na origem: querer “consertar” no REsp. → Corrija: planeje a instrução com foco nas âncoras legais.

9) Conclusões executivas
  • Súmula 7 não barra controle de legalidade sobre como a prova foi valorada.
  • Transforme o caso: da fotografia/medição para deveres jurídicos (motivação, ônus, padrões técnicos).
  • O REsp começa na inicial: distribua o ônus, peça a prova que só o Estado tem, registre todas as omissões por EDcl e ancore cada passo em dispositivo federal.

Apêndice – Checklists rápidos
Checklist da inicial (trânsito)
  • Indicar padrões legais/técnicos aplicáveis (CTB/Resoluções/INMETRO).
  • Formular pedido de exibição de documentos técnicos (CPC, art. 396 e ss.).
  • Postular distribuição dinâmica (CPC, art. 373, §1º) para itens sob guarda do órgão.
  • Delimitar pontos controvertidos e provas.
  • Pedir tutela quando houver PSDD/cassação iminente.
Checklist recursal (REsp)
  • Indicar com precisão os arts. 371, 373 §1º, 489 §1º, 1.022 do CPC e CTB/CONTRAN violados.
  • Demonstrar por tópicos a motivação deficiente/inversão do ônus/erro de subsunção.
  • Prequestionamento explícito (EDcl + art. 1.025).
  • Se couber, montar dissídio com quadro de similitude.