A Superação Judicial da Presunção de Autoria do Art. 257, § 7º, do Código de Trânsito Brasileiro

⚖️ A Superação Judicial da Presunção de Autoria do Art. 257, § 7º, do CTB

Doutrina aplicada, vetores jurisprudenciais e estratégia probatória

Ementa sintética

Trânsito. Presunção de autoria do proprietário (art. 257, § 7º, CTB). Natureza relativa (juris tantum), alcance estritamente administrativo. Preclusão na via administrativa não impede discussão judicial (CF, art. 5º, XXXV). Ampla defesa e contraditório (CF, art. 5º, LV). Presunção elidível por prova robusta em juízo. Cabimento de tutela de urgência. Viabilidade da ação anulatória.


Sumário

  1. Introdução e tese

  2. Base normativa essencial

  3. Natureza e alcance da presunção (administrativo x judicial)

  4. Vetores jurisprudenciais consolidados (síntese)

  5. Roteiro probatório para elidir a presunção

  6. Estratégia processual (administrativa e judicial)

  7. Minuta-guia (trechos argumentativos)

  8. Casos práticos dirigidos (micro-cases)

  9. Erros comuns & antídotos

  10. Conclusões operativas

  11. Referências essenciais


1. Introdução e tese

A imputação automática ao proprietário, quando não identificado o condutor no prazo administrativo, não consuma verdade material: trata-se de presunção relativa destinada a assegurar eficiência mínima ao procedimento sancionador. Na via judicial, onde prevalecem ampla defesa, contraditório e busca da verdade real, a presunção cede diante de prova positiva em contrário (quem conduzia, ou que o proprietário estava em local diverso).

Tese central: a presunção do art. 257, § 7º, CTB é juris tantum, circunscrita ao processo administrativo, e não obsta reexame judicial da autoria, que pode ser elidida por conjunto probatório idôneo.


2. Base normativa essencial

  • CF/88:
    Art. 5º, XXXV – inafastabilidade da jurisdição;
    Art. 5º, LV – contraditório e ampla defesa;
    Art. 5º, LVII – presunção de inocência (irradiação para o sancionador).

  • CTB (Lei 9.503/97):
    Art. 257, § 7º – prazo para indicação do condutor e presunção de responsabilidade;
    Arts. 280–282 – requisitos do AIT e notificações (relevantes para nulidades formais e decadência);
    Art. 265 – necessidade de decisão fundamentada nas sanções restritivas (suspensão/cassação).

  • Lei 9.784/99 (processo administrativo federal, aplicação subsidiária):
    Art. 2º (princípios) e Art. 50 (motivação explícita, clara e congruente).

  • Res. CONTRAN 918/2022: consolidação procedimental, reforçando motivação individualizada dos julgados e encadeamento válido dos atos.

Nota interpretativa: A preclusão administrativa (perda do prazo de indicação) não equivale a coisa julgada material; não impede a jurisdição (CF, art. 5º, XXXV).


3. Natureza e alcance da presunção (administrativo x judicial)

  • Finalidade: garantir continuidade do rito quando não há indicação tempestiva do condutor.

  • Alcance: interno ao processo administrativo.

  • Regra de superação: em juízo, o autor pode elidir a presunção mediante prova robusta e específicanão basta negativa genérica.

  • Ônus da prova: ao demandante, não para provar “fato negativo” abstrato, mas para reconstituir positivamente a realidade (ex.: quem conduzia ou onde estava).

Doutrina (síntese): a presunção administrativa é mecanismo de eficiência, não “regime de verdade”. Cede diante de contraprova judicial séria (Bandeira de Mello; Carvalho Filho; Di Pietro).


4. Vetores jurisprudenciais consolidados (síntese orientativa)

  1. Preclusão administrativa ≠ preclusão judicial: é legítima a reabertura da discussão de autoria em juízo, com prova idônea.

  2. Presunção relativa: admite elisão por elementos objetivos (documentos, testemunhas, imagens, GPS, registros de acesso/pedágio, confissão do real condutor).

  3. Motivação qualificada: julgados administrativos padronizados (sem enfrentar a prova de autoria) são nulos (Lei 9.784/99, art. 50; Res. 918/2022).

  4. Tutela de urgência: presentes probabilidade (documental robusta) e perigo de dano (risco de PSDD, atividade profissional), recomenda-se suspensão imediata da pontuação/efeitos.

Observação prática: quando a autuação repousa em radar/imagem sem condutor visível, cresce a relevância de provas posicionais (CFTV externo, bilhetes de estacionamento, registros de horário, dados de telemetria).


5. Roteiro probatório para elidir a presunção

5.1 Provas documentais “duras”

  • Declaração do real condutor, com firma reconhecida e cópia de CNH; quando possível, boletim de ocorrência ou declaração circunstanciada (data/hora/local).

  • Registros de localização do proprietário: ponto eletrônico, notas fiscais, comprovantes de pedágio/estacionamento, passagens (avião/ônibus), comprovantes de consulta médica.

  • Imagens (CFTV de empresa/condomínio/posto), fotos ou vídeo do momento aproximado.

  • Dados telemáticos/GPS (aplicativos de rastreio, locação, telemetria de frota).

5.2 Provas pessoais e técnicas

  • Testemunhas (colegas de trabalho, familiares, terceiros presentes).

  • Perícia em imagens quando o condutor está visível (biometria facial/antropometria).

5.3 Amarração lógica

  • Linha do tempo: monte tabela cruzando hora/minuto da infração com provas de presença em local diverso.

  • Vínculo do condutor: se o real condutor tinha posse habitual do veículo (empresa/familiar), comprove rotina (autorizações, mensagens, e-mails).

Check rápido (para inicial): declaração do condutor + documento de identidade; 2–3 comprovantes objetivos de localização do proprietário; indicação de testemunhas; pedido de ofícios para obtenção de imagens/sistemas.


6. Estratégia processual (administrativa e judicial)

6.1 Administrativa (quando ainda possível)

  • Sustentar a autoria diversa com documentos objetivos; requerer motivação específica e, se indeferido sem enfrentamento, registrar a nulidade por ausência de fundamentação (Lei 9.784/99, art. 50).

6.2 Judicial

  • Ação anulatória (rito comum) ou mandado de segurança (quando só direito líquido e certo documental).

  • Tutela de urgência:
    Fumus: robustez documental (declaração do condutor + comprovação de localização).
    Periculum: risco de PSDD/cassação; necessidade profissional (motorista, representante comercial).

  • Pedidos: anulação da multa/pontuação; baixa no prontuário; impedimento de uso do título sancionador para PSDD; condenação à motivação específica em eventual reexame.

Dica: se já houver PSDD instaurado com base na pontuação dessa infração, peça tutela para suspender o PSDD por falta de lastro fático (autoria controvertida e presunção elidida).


7. Minuta-guia (trechos argumentativos)

7.1. Da natureza e superação da presunção (núcleo)

“A presunção do art. 257, § 7º, do CTB possui natureza juris tantum, limitada ao procedimento administrativo, e não impede a rediscussão judicial da autoria (CF, art. 5º, XXXV e LV). Traz o autor prova positiva da realidade fática (declaração do condutor com firma reconhecida; registros de localização), elidindo a presunção e impondo a anulação do ato sancionador.”

7.2. Da nulidade por ausência de motivação específica (subsidiária)

“As decisões administrativas limitaram-se a textos padronizados, sem enfrentar a prova carreada, violando a exigência de motivação explícita, clara e congruente (Lei 9.784/99, art. 50; Res. 918/2022). A nulidade é medida que se impõe.”

7.3. Da tutela de urgência

“Presentes a probabilidade do direito (provas objetivas de autoria diversa) e o perigo de dano (iminente PSDD e restrições), requer-se suspensão imediata dos efeitos da penalidade e dos registros correlatos, até o julgamento.”


8. Casos práticos dirigidos (micro-cases)

Caso A — Proprietário em viagem

  • Prova-chave: bilhete aéreo + check-in + recibo de Uber no destino na hora da infração; declaração do condutor.

  • Resultado esperado: tutela para suspender efeitos e, ao final, anulação.

Caso B — Veículo empresarial (posse habitual por empregado)

  • Prova-chave: ordem de serviço/roteiro, controle de frotas, geolocalização; declaração do empregado.

  • Ponto sensível: coerência de horários e percurso.

Caso C — Infração por imagem com condutor visível

  • Prova-chave: perícia comparativa de traços; negativa do proprietário + prova de localização diversa.


9. Erros comuns & antídotos

  1. Negativa genérica sem lastro documental → Antídoto: montar linha do tempo + anexar provas duras (localização).

  2. Só declaração do condutor sem corroboração → Antídoto: agregar 2–3 documentos externos independentes.

  3. Perder a chance de tutelaAntídoto: pedir liminar desde a inicial, demonstrando risco concreto (PSDD, atividade profissional).

  4. Ignorar vícios formais do processo (notificações/motivação) → Antídoto: acrescentar pedidos subsidiários de nulidade formal (arts. 280–282 CTB; Res. 918/2022; Súmula 312/STJ para dupla notificação, quando pertinente).


10. Conclusões operativas

  • A presunção do art. 257, § 7º, é relativa e não fecha a porta do Judiciário.

  • Prova positiva (quem conduzia ou onde estava o proprietário) desfaz a imputação.

  • Tutela de urgência é recomendável para estancar efeitos (pontuação, PSDD).

  • Motivação administrativa padronizada enseja nulidade.

  • Checklist probatório e linha do tempo aumentam significativamente a taxa de sucesso.


11. Referências essenciais

Constitucionais: CF/88, arts. 5º, XXXV (inafastabilidade), LV (contraditório e ampla defesa), LVII (presunção de inocência).
Legais (CTB): art. 257, § 7º (presunção de autoria); arts. 280–282 (requisitos e notificações); art. 265 (decisão fundamentada nas sanções restritivas).
Processo Administrativo: Lei 9.784/99, art. 50 (motivação).
CONTRAN: Res. 918/2022 (consolidação do PA de trânsito).
Jurisprudência (vetores): entendimento do STJ pela relatividade da presunção e pela não vinculação do juiz à preclusão administrativa, admitindo elisão por prova robusta em juízo; tribunais estaduais em linha com tal orientação.


Anexos práticos (prontos para uso)

A. Checklist de documentos para a inicial

  • Declaração do real condutor (firma reconhecida) + CNH;

  • 2–3 comprovantes objetivos de localização do proprietário (no exato intervalo);

  • Indicação de testemunhas;

  • Requerimento de ofícios (CFTV, pedágio, locação, telemetria);

  • Cópia integral do PA (AIT, NA, decisões, NP, ARs).

B. Quadro de ônus da prova (síntese)

  • Autor (proprietário): elidir presunção com prova positiva (autoria diversa/localização);

  • Réu (Administração): manter validade do ato e fundamentar decisão enfrentando a prova; exibir regularidade procedimental e notificações