O Vício da Ausência de Fundamentação nos Processos Administrativos de Trânsito
⚖️ O VÍCIO DA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO NOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS DE TRÂNSITO
A Motivação Deficiente como Causa de Nulidade Absoluta
1. Introdução — A Nulidade como Consequência da Motivação Deficiente
No direito administrativo sancionador de trânsito, a ausência ou deficiência de fundamentação nas decisões administrativas constitui um dos vícios mais relevantes e tecnicamente complexos.
Sua correta identificação não apenas revela uma falha procedimental, mas invalida todo o processo punitivo desde sua origem, por violar o devido processo legal e comprometer o controle de legalidade.
A motivação, longe de ser mera formalidade, é a garantia que impede o arbítrio.
Decisões sem fundamentação clara ou base fática específica tornam-se atos nulos, pois privam o cidadão do direito de compreender as razões da sanção e de exercer defesa técnica eficaz.
Essa nulidade é, portanto, instrumento de controle democrático do poder punitivo estatal, assegurando a racionalidade, a transparência e a coerência das decisões administrativas.
2. O Imperativo Constitucional e Legal da Fundamentação
2.1 Base Constitucional
O dever de motivar decorre dos princípios da legalidade, da moralidade e, sobretudo, do devido processo legal, previstos nos artigos 5º, LIV e LV, e 37 da Constituição Federal.
Uma decisão sem motivação fere simultaneamente o direito de defesa e a impessoalidade administrativa, pois transforma o ato punitivo em juízo arbitrário.
A doutrina reconhece que a motivação é a “razão pública” do ato administrativo — o que o torna controlável pelo administrado e pelo Judiciário.
Sem motivação, não há legitimidade.
“A motivação é o espelho da legalidade. Sem ela, o ato administrativo é cego e ilegítimo.”
— Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 38ª ed.
2.2 Base Legal Específica
O dever de motivar está positivado em normas centrais:
Ainda que o art. 265 CTB mencione expressamente apenas a suspensão e a cassação, a regra se estende a todas as decisões do processo de trânsito — inclusive julgamentos de defesa prévia e recursos — pois todas implicam restrição de direito e exigem controle de legalidade.
3. A Doutrina da Motivação e os Requisitos de Validade do Ato
3.1 O Princípio da Motivação e a Teoria dos Motivos Determinantes
Na doutrina clássica, a motivação é a exteriorização formal do motivo do ato.
Ela expressa as razões de fato e de direito que conduziram à decisão, tornando-a sindicável.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou entendimento segundo o qual a falta ou deficiência de motivação invalida o ato pela chamada teoria dos motivos determinantes, segundo a qual “a validade do ato depende da veracidade e da consistência dos motivos indicados pela Administração”.
“A motivação deve ser explícita, clara e congruente, vinculando o ato aos fundamentos de fato e de direito indicados.”
— (STJ, RMS 56.858/GO, Rel. Min. Sérgio Kukina, j. 13/9/2022)
3.2 Requisitos Doutrinários de uma Fundamentação Válida
A doutrina e a jurisprudência identificam cinco atributos essenciais:
🕮 Comentário prático:
Em decisões de JARI ou CETRAN, modelos genéricos são juridicamente inválidos, pois ignoram a exigência de individualização da motivação. O julgador deve responder às teses do recurso, sob pena de nulidade.
4. A Atuação Prática do Advogado — Identificação e Arguição da Nulidade
4.1 Como Identificar o Vício de Fundamentação
O advogado deve confrontar a decisão com os seguintes critérios:
4.2 Modalidades Recorrentes de Vício
Na prática forense, a ausência de enfrentamento da tese defensiva é o vício mais comum e facilmente comprovável, bastando comparar o texto do recurso e a decisão impugnada.
5. A Tensão entre Eficiência Administrativa e Garantias Fundamentais
A jurisprudência contemporânea tem repelido o argumento da “falta de tempo” ou “volume de processos” como justificativa para decisões padronizadas.
O STJ é categórico: a eficiência não pode servir de escudo para a violação do devido processo legal.
“A Administração não pode sacrificar o dever de motivar sob o pretexto de eficiência; a motivação é requisito de validade do ato e garantia do administrado.”
— (STJ, MS 9.944/DF)
Com o avanço da automação e dos sistemas eletrônicos (ex.: SNE — Sistema de Notificação Eletrônica), cresce o desafio da motivação individualizada.
O sistema pode ser digital, mas a decisão continua humana e deve ser racionalmente motivada, sob pena de invalidade.
🕮 Nota interpretativa:
A Resolução 918/2022 reforça a responsabilidade do órgão autuador pela rastreabilidade das decisões, impondo registro digital da motivação. A ausência de motivação nos autos eletrônicos equivale à inexistência jurídica do ato.
6. Conclusão — A Fundamentação como Pilar do Estado Democrático de Direito
A fundamentação é o fio condutor que legitima o exercício do poder punitivo do Estado.
Nos processos administrativos de trânsito, sua ausência ou deficiência não é vício menor, mas violação substancial ao devido processo legal, ensejando nulidade absoluta.
“Sem motivação, o ato administrativo é mero exercício de vontade; e a vontade, no Estado de Direito, não basta.”
— José Ricardo Adam
Ao advogado cabe demonstrar, com técnica e precisão, o déficit da motivação e seu impacto no contraditório, convertendo um erro sistêmico em meio eficaz de defesa e de proteção das liberdades individuais.
7. Referências Normativas e Jurisprudenciais
A Motivação Deficiente como Causa de Nulidade Absoluta
No direito administrativo sancionador de trânsito, a ausência ou deficiência de fundamentação nas decisões administrativas constitui um dos vícios mais relevantes e tecnicamente complexos.
Sua correta identificação não apenas revela uma falha procedimental, mas invalida todo o processo punitivo desde sua origem, por violar o devido processo legal e comprometer o controle de legalidade.
A motivação, longe de ser mera formalidade, é a garantia que impede o arbítrio.
Decisões sem fundamentação clara ou base fática específica tornam-se atos nulos, pois privam o cidadão do direito de compreender as razões da sanção e de exercer defesa técnica eficaz.
Essa nulidade é, portanto, instrumento de controle democrático do poder punitivo estatal, assegurando a racionalidade, a transparência e a coerência das decisões administrativas.
2.1 Base Constitucional
O dever de motivar decorre dos princípios da legalidade, da moralidade e, sobretudo, do devido processo legal, previstos nos artigos 5º, LIV e LV, e 37 da Constituição Federal.
Uma decisão sem motivação fere simultaneamente o direito de defesa e a impessoalidade administrativa, pois transforma o ato punitivo em juízo arbitrário.
A doutrina reconhece que a motivação é a “razão pública” do ato administrativo — o que o torna controlável pelo administrado e pelo Judiciário.
Sem motivação, não há legitimidade.
“A motivação é o espelho da legalidade. Sem ela, o ato administrativo é cego e ilegítimo.”
— Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 38ª ed.
2.2 Base Legal Específica
O dever de motivar está positivado em normas centrais:
- Art. 265 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) — impõe que a suspensão do direito de dirigir e a cassação da CNH dependam de decisão fundamentada, com ampla defesa.
- Art. 50 da Lei 9.784/1999 — determina que os atos administrativos sejam motivados, com indicação dos fatos e fundamentos jurídicos, especialmente quando:
- neguem, limitem ou afetem direitos;
- imponham penalidades;
- decidam processos administrativos ou recursos.
O § 1º do mesmo artigo exige que a motivação seja explícita, clara e congruente.
- Resolução CONTRAN nº 918/2022 — consolida o rito administrativo de trânsito, estabelecendo forma, conteúdo e prazos para decisões, tornando a motivação condição de validade formal e material.
Ainda que o art. 265 CTB mencione expressamente apenas a suspensão e a cassação, a regra se estende a todas as decisões do processo de trânsito — inclusive julgamentos de defesa prévia e recursos — pois todas implicam restrição de direito e exigem controle de legalidade.
3.1 O Princípio da Motivação e a Teoria dos Motivos Determinantes
Na doutrina clássica, a motivação é a exteriorização formal do motivo do ato.
Ela expressa as razões de fato e de direito que conduziram à decisão, tornando-a sindicável.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou entendimento segundo o qual a falta ou deficiência de motivação invalida o ato pela chamada teoria dos motivos determinantes, segundo a qual “a validade do ato depende da veracidade e da consistência dos motivos indicados pela Administração”.
“A motivação deve ser explícita, clara e congruente, vinculando o ato aos fundamentos de fato e de direito indicados.”
— (STJ, RMS 56.858/GO, Rel. Min. Sérgio Kukina, j. 13/9/2022)
3.2 Requisitos Doutrinários de uma Fundamentação Válida
A doutrina e a jurisprudência identificam cinco atributos essenciais:
| Requisito | Descrição | Efeito jurídico da ausência |
| Explícita | As razões devem constar expressamente no texto da decisão; não se admite motivação implícita. | Ato nulo por ausência de transparência. |
| Clara | Linguagem precisa e inteligível; proíbe jargões indecifráveis. | Impossibilidade de defesa. |
| Congruente | Coerência entre fundamentos e conclusão (fato → norma → sanção). | Contradição lógica gera nulidade. |
| Específica | Enfrentamento das teses e provas do caso concreto. | Padronização (“carimbo”) é vício formal grave. |
| Suficiente | Permite controle administrativo ou judicial pleno. | Invalidação por ausência de utilidade. |
Em decisões de JARI ou CETRAN, modelos genéricos são juridicamente inválidos, pois ignoram a exigência de individualização da motivação. O julgador deve responder às teses do recurso, sob pena de nulidade.
4.1 Como Identificar o Vício de Fundamentação
O advogado deve confrontar a decisão com os seguintes critérios:
- Há exposição dos fatos e fundamentos jurídicos?
(Lei 9.784/99, art. 50). - A decisão enfrentou as teses da defesa?
Ou limitou-se a reproduzir texto genérico? - Há congruência entre motivação e conclusão?
- A decisão faz referência específica às provas?
4.2 Modalidades Recorrentes de Vício
- Ausência completa de motivação — indeferimento puro (“Indefiro o pedido, por não assistir razão ao requerente”).
- Motivação padronizada — texto replicável a qualquer caso, sem diálogo com a defesa.
- Não enfrentamento das teses — silêncio sobre argumentos ou documentos essenciais.
- Incongruência — fundamentos que não conduzem à conclusão.
- Mera citação de artigos legais — ausência de subsunção fática.
- Contradição interna — fundamentos dizem “A”, decisão aplica “B”.
- Exposição da decisão impugnada (transcrição literal do trecho).
- Demonstração do vício (ex.: ausência de análise do argumento X).
- Fundamentação jurídica:
- CF, arts. 5º LIV/LV e 37;
- CTB, art. 265;
- Lei 9.784/99, art. 50 e § 1º;
- Resolução CONTRAN 918/22.
- Jurisprudência:
- STJ, RMS 56.858/GO (motivação explícita, clara e congruente);
- STJ, MS 9.944/DF (ato nulo por ausência de motivação).
- Pedidos:
- a) declaração de nulidade da decisão e de seus efeitos;
- b) subsidiariamente, retorno dos autos para novo julgamento com fundamentação adequada.
Na prática forense, a ausência de enfrentamento da tese defensiva é o vício mais comum e facilmente comprovável, bastando comparar o texto do recurso e a decisão impugnada.
A jurisprudência contemporânea tem repelido o argumento da “falta de tempo” ou “volume de processos” como justificativa para decisões padronizadas.
O STJ é categórico: a eficiência não pode servir de escudo para a violação do devido processo legal.
“A Administração não pode sacrificar o dever de motivar sob o pretexto de eficiência; a motivação é requisito de validade do ato e garantia do administrado.”
— (STJ, MS 9.944/DF)
Com o avanço da automação e dos sistemas eletrônicos (ex.: SNE — Sistema de Notificação Eletrônica), cresce o desafio da motivação individualizada.
O sistema pode ser digital, mas a decisão continua humana e deve ser racionalmente motivada, sob pena de invalidade.
🕮 Nota interpretativa:
A Resolução 918/2022 reforça a responsabilidade do órgão autuador pela rastreabilidade das decisões, impondo registro digital da motivação. A ausência de motivação nos autos eletrônicos equivale à inexistência jurídica do ato.
A fundamentação é o fio condutor que legitima o exercício do poder punitivo do Estado.
Nos processos administrativos de trânsito, sua ausência ou deficiência não é vício menor, mas violação substancial ao devido processo legal, ensejando nulidade absoluta.
“Sem motivação, o ato administrativo é mero exercício de vontade; e a vontade, no Estado de Direito, não basta.”
— José Ricardo Adam
Ao advogado cabe demonstrar, com técnica e precisão, o déficit da motivação e seu impacto no contraditório, convertendo um erro sistêmico em meio eficaz de defesa e de proteção das liberdades individuais.
- Constituição Federal, arts. 5º (LIV e LV) e 37.
- Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/1997), art. 265.
- Lei 9.784/1999, art. 50 e § 1º.
- Resolução CONTRAN 918/2022.
- STJ:
- RMS 56.858/GO — Rel. Min. Sérgio Kukina, j. 13/09/2022.
- MS 9.944/DF — Rel. Min. Teori Zavascki, j. 04/05/2005.
- AgInt no REsp 1.847.082/SP — Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 25/10/2022.
- Doutrina:
- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 38ª ed., São Paulo: Malheiros, 2024.
- CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 37ª ed., Rio de Janeiro: Atlas, 2024.
- DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 36ª ed., São Paulo: Atlas, 2024.